1 sociólogo na rua das "Línguas Encaracoladas"
1. Quando a língua se encaracola!
(1995(?) - Vila do Redondo).
DIM, era na altura (ou Delegado de Informação médica e mais tarde, Gestor de zona). Como tinha o velho sonho de ser Professor ainda aceso em mim, procurei o ensino Recorrente, pois ia trabalhar com adultos com vivências ricas e únicas!
Embora fosse no horário pós-laboral, eu preferia que o Laboratório Farmacêutico para quem trabalhava na altura, durante o dia não soubesse, embora encontrasse sempre os Médicos de Saúde Pública que graciosamente iam dar umas aulas/sessões de formação, importantes para a vida das populações locais. Éramos 3 professores que lecionavam todas as disciplinas, no meu caso Língua Portuguesa, Homem e Ambiente Social e a Coordenação Local do Curso.
Gostava muito do livro/sebenta de apoio de Português, pois um dos autores, era o Professor Sérgio Contreiras, Grande Professor, ativo e dedicado (tinha sido meu professor em Almada), que criou no Seixal uma revista, a "Revista Nova Maré", onde publiquei os meus juvenis poemas.
Um dos meus textos favoritos era um excerto do saudoso Baptista-Bastos, onde falava das suas visitas ainda menino, a casa de uma tia austera...numa passagem no texto ele referia uma atrapalhação ao ler e até encaracolara-se a língua, de tão atrapalhado.
Nas aulas de Português, o momento em que cada um lia um pouco de um texto, era um momento de participação do grupo, e sempre de expectativa, de esforço pessoal.
Isabel Maria (nome fictício) era sempre muito despachada e empenhada. Mulher de 59 anos, com o corpo grande, mas fortalecido pela dura vida do campo não hesitou e leu com afinco: ---"Eu ficara muito aflito, atrapalhado, encaralhava-me a língua toda"...
Isabel Maria era mulher valente, falava alto e a bom som, e gostava de ler alto e com bom som. Parámos todos. Ela olhou para mim atrapalhada. Vi-a aflita pela primeira vez!
Eu desatei a rir bem alto. Desatámos todos a rir bem alto. E os nossos risos ecoaram fortes, da escola primária da vila, cortando o silêncio em Redondo*, numa 6ª feira à noite, naquele distante Outono.
Elas, nunca mais saíram do meu coração, as minhas Queridas Alunas de Redondo! Quando falo delas, nunca a minha língua se encaracola!
(* Quando se dirigirem a algum habitante desta Vila utilizem sempre a expressão "Em Redondo" e nunca "No Redondo"; não gostam do termo.)
Luís da Costa, Aroeira, 25.10.22
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